sábado, 26 de março de 2022

A Crucificação - Considerações sobre Mateus 27 - Parte 3


Depois que Barrabás foi solto, e o Senhor foi açoitado em um outro espaço fora do Pretório, os soldados romanos levaram Jesus de volta àquele lugar, para iniciar os preparativos para a crucificação dos condenados à morte naquele dia. Em seguida, obrigando-o a levar sua própria cruz, conduziram-no ao Gólgota, para ser, finalmente, crucificado.

Vejamos a seguir o trecho do Evangelho de Mateus que narra esses acontecimentos:

Então, os soldados do governador levaram Jesus ao Pretório e reuniram toda a tropa ao seu redor. Tiraram-lhe as vestes e puseram nele um manto vermelho; fizeram uma coroa de espinhos e a colocaram em sua cabeça. Puseram uma vara em sua mão direita e, ajoelhando-se diante dele, zombavam: "Salve, rei dos judeus!" Cuspiram nele e, tirando-lhe a vara, batiam-lhe com ela na cabeça. Depois de terem zombado dele, tiraram-lhe o manto e vestiram-lhe suas próprias roupas. Então o levaram para crucificá-lo. Ao saírem, encontraram um homem de Cirene, chamado Simão, e o forçaram a carregar a cruz. Chegaram a um lugar chamado Gólgota, que quer dizer Lugar da Caveira, e lhe deram para beber vinho misturado com fel; mas, depois de prová-lo, recusou-se a beber. Depois de o crucificarem, dividiram as roupas dele, tirando sortes. E, sentando-se, vigiavam-no ali. Por cima de sua cabeça colocaram por escrito a acusação feita contra ele: ESTE É JESUS, O REI DOS JUDEUS. Dois ladrões foram crucificados com ele, um à sua direita e outro à sua esquerda. Os que passavam lançavam-lhe insultos, balançando a cabeça e dizendo: "Você que destrói o templo e o reedifica em três dias, salve-se! Desça da cruz, se é Filho de Deus!" Da mesma forma, os chefes dos sacerdotes, os mestres da lei e os líderes religiosos zombavam dele, dizendo: "Salvou os outros, mas não é capaz de salvar a si mesmo! E é o rei de Israel! Desça agora da cruz, e creremos nele. Ele confiou em Deus. Que Deus o salve agora, se dele tem compaixão, pois disse: ‘Sou o Filho de Deus!’" Igualmente o insultavam os ladrões que haviam sido crucificados com ele. (Mateus 27:27-44)

Antes de ser morto, o Senhor Jesus foi duramente castigado. Provavelmente, Cristo foi o único dos condenados a ser severamente açoitado, além de escarnecido publicamente e obrigado a levar a própria cruz onde seria crucificado, que era de madeira maciça e, por isso, muito pesada. 

No livro do profeta Isaías há um relato que confirma algumas das coisas que o Messias haveria de passar até sua morte:

Ele não tinha qualquer beleza ou majestade que nos atraísse, nada em sua aparência para que o desejássemos. Foi desprezado e rejeitado pelos homens, um homem de tristeza e familiarizado com o sofrimento. Como alguém de quem os homens escondem o rosto, foi desprezado, e nós não o tínhamos em estima. Certamente ele tomou sobre si as nossas enfermidades e sobre si levou as nossas doenças, contudo nós o consideramos castigado por Deus, por ele atingido e afligido. Mas ele foi transpassado por causa das nossas transgressões, foi esmagado por causa de nossas iniquidades; o castigo que nos trouxe paz estava sobre ele, e pelas suas feridas fomos curados. Todos nós, tal qual ovelhas, nos desviamos, cada um de nós se voltou para o seu próprio caminho; e o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós. Ele foi oprimido e afligido, contudo não abriu a sua boca; como um cordeiro foi levado para o matadouro, e como uma ovelha que diante de seus tosquiadores fica calada, ele não abriu a sua boca. (Isaías 53:2-7)

Não há relatos em nenhum dos Evangelhos de que os outros condenados foram submetidos a tamanha tortura e crueldade. Em Marcos 15:16-20, encontramos uma narrativa similar à constante no Evangelho de Mateus 27:27-31, sobre esse acontecimento brutal.

Como o Senhor Jesus já estava bem debilitado, devido aos requintes de crueldade que havia sofrido, os guardas observaram que Ele não aguentaria carregar muito tempo o peso da cruz. Então, obrigaram a um homem que vinha passando ali no momento, voltando do campo, a carregar a cruz no lugar de Cristo.

O nome do homem era Simão, um judeu natural de Cirene, e ele tinha dois filhos, que se chamavam Alexandre e Rufo (Marcos 15:21). Cirene era uma cidade grega situada na Líbia, que naquele momento estava debaixo do domínio romano.

Sobre os filhos de Simão, não é à toa que estão listados no Evangelho de Marcos. Esses dois rapazes estiveram diretamente envolvidos na igreja do Senhor, alguns anos depois. Rufo, converteu-se a Cristo e fez parte da igreja de Roma. Lá ajudou ao Apóstolo Paulo, e isso vemos na carta de Paulo aos romanos, onde este lhe envia uma carinhosa saudação (Romanos 16:13).

Já Alexandre, era latoeiro/ferreiro (fabricava objetos de latão e ferro) e também era um dos judeus que acompanhavam os ensinamentos de Paulo na cidade de Éfeso (Atos 19:33,34). Apesar de passar cerca de dois anos ouvindo a mensagem do Evangelho, Alexandre, tempos depois, acabou endurecendo seu coração e causando muitos males ao Apóstolo, conforme podemos ler nas cartas de Paulo a Timóteo (1Timóteo 2:20, 2Timóteo 4:14)

Retomando nossa análise, vamos incluir aqui uma fala de Jesus, que acontece logo após o momento em que sua cruz é passada para Simão de Cirene. Esse momento encontra-se registrado apenas no Evangelho de Lucas.

Observando as mulheres que o seguiam, e que lamentavam por causa dele, Cristo se dirige a elas profetizando o que haveria de acontecer a Jerusalém quatro décadas após aquele dia:

Um grande número de pessoas o seguia, inclusive mulheres que lamentavam e choravam por ele. Jesus voltou-se e disse-lhes: "Filhas de Jerusalém, não chorem por mim; chorem por vocês mesmas e por seus filhos! Pois chegará a hora em que vocês dirão: ‘Felizes as estéreis, os ventres que nunca geraram e os seios que nunca amamentaram!’ "Então dirão às montanhas: ‘Caiam sobre nós!’ e às colinas: ‘Cubram-nos!’ Pois, se fazem isto com a árvore verde, o que acontecerá quando ela estiver seca?" (Lucas 23:27-31)

Nesta fala, Cristo cita um trecho do livro do Profeta Oséias, que profetiza a destruição de Jerusalém no futuro:

Os altares da impiedade, que foram os pecados de Israel, serão destruídos. Espinhos e ervas daninhas crescerão e cobrirão os seus altares. Então eles dirão aos montes: "Cubram-nos!", e às colinas: "Caiam sobre nós!" (Oséias 10:8)

Ele chama a atenção das mulheres para o severo juízo que aconteceria a Jerusalém, por causa da impiedade dos israelitas. Ao dizer "se fazem isto com a árvore verde, o que acontecerá quando ela estiver seca?", o Senhor está avisando que, se Ele estava presente ali e a situação de Israel já estava ruim, debaixo do domínio do Império Romano, uma situação muito pior se levantaria no futuro, quando Ele já não estivesse mais presente (fisicamente).

Esse ato de Jesus também foi profetizado por Jeremias, como veremos abaixo:

O que eu enxergo enche-me a alma de tristeza, de pena de todas as mulheres da minha cidade. (Lamentações 3:51)

Após esse episódio, Cristo chega ao local onde seria crucificado. Ali, segundo a narrativa constante no Evangelho de Marcos (Mc 15:23), antes de crucificarem Jesus, foi oferecida a ele uma porção de vinho misturado com mirra (em Mateus lemos "vinho com fel"), para diminuir o sofrimento dele na hora da crucificação, pois essa mistura iria deixá-lo entorpecido. No entanto, Cristo se recusa a beber, porque escolheu passar por todo o sofrimento decretado pelo Pai, por causa dos pecados de toda a humanidade.

Depois os soldados romanos tiraram novamente as roupas de Jesus (a primeira vez foi no Pretório, quando foi humilhado pelos soldados - Mt 27:28-31) e o crucificaram, totalmente despido.

Enquanto estava sendo crucificado, o Senhor pediu que o Pai perdoasse as pessoas que o estavam condenando e crucificando, pois não sabiam o que estavam fazendo: "Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo". (Lucas 23:34) Certamente, os líderes religiosos de Israel, o povo, Pilatos e seus soldados, não tinham ideia de quem Jesus realmente era.

Especialmente os líderes religiosos de Israel poderiam ter discernido o Cristo por causa do conhecimento que tinham das Escrituras, mas não conseguiram associar aquilo que foi profetizado acerca do Messias a Jesus. Seus corações estavam longe do Reino de Deus, e suas almas estavam totalmente ignorantes sobre esse lugar. Por terem se enchido de um conhecimento misturado com falsas doutrinas criadas entre eles mesmos, seu entendimento dos mandamentos instituídos por Deus foi pervertido e, consequentemente, sua percepção do Reino de Deus foi bloqueada.

Os doze Apóstolos, bem como os demais discípulos de Jesus, naquele momento, também não conseguiam ligar a pessoa de Jesus ao que estava escrito sobre Ele, por estarem na mesma situação dos líderes religiosos de Israel, ignorando a realidade e os preceitos do Reino de Deus, apesar de crerem na mensagem que Jesus anunciava.

De fato, mesmo após todos os avisos que Jesus lhes dera em dias anteriores, sobre o que iria acontecer, eles ficaram confusos, sem entender o que estavam presenciando. Somente após a ressurreição de Jesus, quando este reaparece entre eles, é que passam a entender o que aconteceu (Lucas 24:41-45).

A crucificação aconteceu às nove horas da manhã, segundo o relato do Evangelho de Marcos (Mc 15:25). As roupas de Jesus foram repartidas entre os soldados romanos, e sua túnica foi tomada por sorteio. No Evangelho de João encontramos esse momento descrito com detalhes:

Tendo crucificado Jesus, os soldados tomaram as roupas dele e as dividiram em quatro partes, uma para cada um deles, restando a túnica. Esta, porém, era sem costura, tecida numa única peça, de alto a baixo. "Não a rasguemos", disseram uns aos outros. "Vamos decidir por sorteio quem ficará com ela." Isso aconteceu para que se cumprisse a Escritura que diz: "Dividiram as minhas roupas entre si, e tiraram sortes pelas minhas vestes". Foi o que os soldados fizeram. (João 19:23,24)

No livro de Salmos podemos ler o que foi profetizado pelo Rei Davi sobre esse momento que Cristo passaria:

Cães me rodearam! Um bando de homens maus me cercou! Perfuraram minhas mãos e meus pés. Posso contar todos os meus ossos, mas eles me encaram com desprezo. Dividiram as minhas roupas entre si, e tiraram sortes pelas minhas vestes. (Salmos 22:16-18)

Na parte superior da cruz onde Cristo estava, os soldados colocaram uma placa, a mando de Pilatos, onde estava escrito "ESTE É JESUS, O REI DOS JUDEUS" (Mt 27:37), em três idiomas. Esta placa deveria conter a acusação pela qual aquele réu havia sido condenado à morte, no entanto, Pilatos ordenou que a frase fosse escrita não como acusação, e sim como título, pois ele reconheceu que Jesus tinha realmente a autoridade de um rei.

Isso desagradou os líderes religiosos de Israel, pois soou como se eles estivessem cometendo um erro grave, condenando à morte aquele que deveria ser o rei deles. Esse momento está descrito no Evangelho de João:

Pilatos mandou preparar uma placa e pregá-la na cruz, com a seguinte inscrição: JESUS NAZARENO, O REI DOS JUDEUS. Muitos dos judeus leram a placa, pois o lugar em que Jesus foi crucificado ficava próximo da cidade, e a placa estava escrita em aramaico, latim e grego. Os chefes dos sacerdotes dos judeus protestaram junto a Pilatos: "Não escrevas ‘O Rei dos Judeus’, mas sim que esse homem se dizia rei dos judeus". Pilatos respondeu: "O que escrevi, escrevi". (João 19:19-22)

Um pouco depois de ter sido crucificado, algumas pessoas conhecidas estavam ali perto, e o Senhor Jesus percebeu que sua mãe também estava ali, e falou algo muito importante para ela. Essa fala de Cristo também está registrada no Evangelho de João:

Perto da cruz de Jesus estavam sua mãe, a irmã dela, Maria, mulher de Clopas, e Maria Madalena. Quando Jesus viu sua mãe ali, e, perto dela, o discípulo a quem ele amava, disse à sua mãe: "Aí está o seu filho", e ao discípulo: "Aí está a sua mãe". Daquela hora em diante, o discípulo a levou para casa. (João 19:25-27)

Jesus, ali, se despediu de sua mãe e passou a sua "filiação humana" oficialmente para o Apóstolo João. Os irmãos e irmãs de Jesus, naquele momento, não acreditavam nele, por isso Ele escolheu um de seus discípulos para receber em casa e cuidar de Maria, que era viúva e já não teria a presença do seu primogênito para cuidar dela.

Ele precisou agir dessa forma, pois, como Cristo existe desde antes dos seres humanos existirem, tendo inclusive participado da criação do homem, teria que se apartar da situação mortal na qual fora inserido de forma provisória e sobrenaturalmente (Cristo foi gerado no útero de uma jovem virgem), a fim de cumprir todas as exigências e mandamentos contidos nas escrituras para, só então, poder se entregar em sacrifício pelos pecados da humanidade.

O Senhor Jesus foi crucificado com dois outros homens, que eram ladrões: um estava a sua direita, e o outro a sua esquerda. Os evangelhos de Mateus e Marcos pontuam que os dois o insultaram, junto com as autoridades israelitas e outras pessoas que ali passavam (Mt 27:38-44, Mc 15:27-32).

Porém, no Evangelho de Lucas, observamos que um dos ladrões creu na mensagem do Reino de Deus, e, provavelmente, também creu que Jesus era o Messias, pois mesmo sabendo que Jesus ia morrer ali, pediu-lhe para que "lembrasse dele ao entrar no Seu Reino":

Um dos criminosos que ali estavam dependurados lançava-lhe insultos: "Você não é o Cristo? Salve-se a si mesmo e a nós!" Mas o outro criminoso o repreendeu, dizendo: "Você não teme a Deus, nem estando sob a mesma sentença? Nós estamos sendo punidos com justiça, porque estamos recebendo o que os nossos atos merecem. Mas este homem não cometeu nenhum mal". Então ele disse: "Jesus, lembra-te de mim quando entrares no teu Reino". Jesus lhe respondeu: "Eu lhe garanto: Hoje você estará comigo no paraíso". (Lucas 23:39-43)

A fé que esse ladrão teve provavelmente foi a mais convicta de todas, visto que ele não duvidou da veracidade da mensagem do Reino, apesar de Jesus estar diante dele sem realizar nenhum milagre visível, além de vê-lo ser violentado, humilhado e ridicularizado diante de todos. Por isso, Jesus considerou as palavras daquele ladrão, e lhe deu a famosa resposta "eu lhe garanto: Hoje você estará comigo no paraíso".

Quanto aos insultos que Jesus recebeu, assim como tantas outras coisas que aconteceram com Ele, esses também foram preditos no Antigo Testamento, no livro de Salmos:

Mas eu sou verme, e não homem, motivo de zombaria e objeto de desprezo do povo. Caçoam de mim todos os que me veem; balançando a cabeça, lançam insultos contra mim, dizendo: "Recorra ao Senhor! Que o Senhor o liberte! Que ele o livre, já que lhe quer bem!" Contudo, tu mesmo me tiraste do ventre; deste-me segurança junto ao seio de minha mãe. Desde que nasci fui entregue a ti; desde o ventre materno és o meu Deus. Não fiques distante de mim, pois a angústia está perto e não há ninguém que me socorra. Muitos touros me cercam, sim, rodeiam-me os poderosos de Basã. Como leão voraz rugindo escancaram a boca contra mim. (Salmos 22:6-13)

Para finalizar nosso estudo, gostaria de expor uma curiosidade: é muito comum vermos imagens e pinturas famosas de Jesus carregando a cruz com uma coroa de espinhos na cabeça e um manto vermelho sobre suas roupas. Outras exibem Jesus crucificado com um pano envolvendo as partes intimas e uma coroa de espinhos na cabeça.

Contudo, se analisarmos os textos dos evangelhos, vamos observar que antes dos sodados colocarem a cruz para Cristo carregar, eles tiraram dele o manto vermelho (ou manto de púrpura) de rei e o vestiram com suas próprias roupas (Mateus 27:27-31, Marcos 15:16-20). Isso quer dizer que muito provavelmente os outros acessórios que colocaram nele também foram retirados (a coroa de espinhos e o cetro improvisado).

Um outro detalhe é que, além de Cristo ter sido crucificado sem a coroa de espinhos sobre a cabeça, Ele estava nu, pois toda a sua roupa foi retirada (as quatro partes de sua roupa, mais a túnica! - veja em João 19:23). 

Missionária Oriana Costa

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